Administração local concentra mais de metade de suspeitas de corrupção

Existem inquéritos que demoraram nove anos a chegar a julgamento, revela relatório anual do Menac. A maior parte dos processos nasceu de denúncias anónimas.

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Nelson Garrido
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O sector da administração local concentrou em 2023 mais de metade das suspeitas de criminalidade económico-financeira investigadas em Portugal que chegaram à agência responsável pelo estudo do fenómeno, o Menac – Mecanismo Nacional Anti-Corrupção.

A administração pública local está presente em 52% das 194 decisões judiciais comunicadas ao Menac pela Procuradoria-Geral da República entre Outubro e Dezembro de 2023, sendo que a grande maioria dos inquéritos, 75%, redundaram em arquivamento, por não terem sido recolhidos pelas autoridades indícios suficientes da prática de crimes. Os restantes casos correspondem a acusações (20%) e a condenações (sete processos) ou absolvições (um processo apenas).

“Os municípios assumem um claro destaque como entidades mais associadas a procedimentos criminais com a presença de matéria criminal, representando 34% de todo este universo de análise. Significa que um em cada três procedimentos com a presença de matéria probatória está associado ao exercício de actividade municipal”, pode ler-se no relatório anual da agência.

E se na administração local as entidades mais visadas são das câmaras municipais, já na administração central esse lugar pertence às forças e serviços de segurança.

Este balanço revela ainda que o tempo médio para um processo judicial deste tipo chegar a ter uma sentença ronda os 5,6 anos, havendo porém inquéritos que necessitaram de sete anos de trabalho de investigação criminal até culminarem em despachos de arquivamento, e de nove para chegar a julgamento.

“O que provavelmente, em qualquer dos casos, se explica pela maior complexidade da matéria denunciada e investigada, a que se pode associar igualmente a componente da gestão e disponibilidade de recursos e meios humanos para a realização das investigações”, refere o relatório, ressalvando que a escassez do número de decisões de julgamento analisadas não permite conclusões definitivas.

A corrupção foi nestes casos o crime mais investigado, seguindo-se-lhe o abuso de poder, o peculato e a prevaricação.“Apesar de a corrupção ser o crime principal que surge associado ao maior número de procedimentos criminais (57 casos), verificamos que, na sua maioria, tais procedimentos acabam arquivados (circunstância que se verificou em 45 do universo dos 57 casos, o que corresponde a 79%”, pode ler-se no relatório, que acrescenta que o mesmo sucede no abuso de poder e na prevaricação. Já os inquéritos relativos aos crimes de peculato e branqueamento tiveram taxas de sucesso mais elevadas.

A maior parte destes processos nasceu de denúncias anónimas, havendo outros cujos denunciantes se identificaram perante as autoridades e ainda investigações abertas a partir de notícias reveladas pela comunicação social. Nas três situações o seu desfecho foi maioritariamente o arquivamento. “Os procedimentos criminais iniciados com denúncias institucionais parecem ser os que revelam uma tendência distinta quanto a possibilitarem maior sucesso na recolha de materiais probatórios”, refere o balanço.

Criada em 2021, a agência anti-corrupção continua a justificar a sua fraca actividade com a dificuldade em recrutar funcionários, só tendo conseguido preencher metade dos 29 lugares abertos. Por isso, do orçamento disponível para 2023 de dois milhões de euros apenas gastou 750 mil euros, o equivalente a uma taxa de execução de 37,2%. A maior parcela dos gastos, 619 mil euros, foi precisamente destinada ao pagamento da dezena e meia de pessoas que aqui trabalham.

Mesmo assim, para 2024 recebeu uma dotação de 2,5 milhões, 400 mil dos quais para um projecto financiado do Plano de Recuperação e Resiliência destinado ao desenvolvimento do sistema de informação para monitorizar a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. O programa do Governo promete reformar esta agência.

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